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Direito Adquirido

I) DO DIREITO ADQUIRIDO:

Direito Adquirido é um direito fundamental, alcançado constitucionalmente, sendo encontrando no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, bem como na Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 6º,§ 2º.

A Constituição Federal restringe-se em descrever, in verbis:

“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

A LICC declara, in verbis:

“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém que por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”

A doutrina sobre o instituto é ampla e traz influência dos mais diversos doutrinadores.

FRANCESCO GABBA, em sua obra “A Teoria della Retroattività delle Leggi”, Roma, 1891, escreveu:

“É direito adquirido todo direito que”:

a) seja conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo;

e que

b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”

REYNALDO PORCHAT, na obra Retroatividade das Leis Civis, São Paulo, Duprat, 1909, acrescenta:

“Direitos adquiridos são conseqüências de fatos jurídicos passados, mas conseqüências ainda não realizadas, que ainda não se tornaram de todo efetivas. Direito adquirido é, pois, todo direito fundado sobre um fato jurídico que já sucedeu, mas que ainda não foi feito valer.”

O pensamento da doutrina brasileira a respeito do assunto está bem representado na lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, in Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1961, v. 1, p. 125, exposta assim:

“Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade.”

II) A RELAÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO COM O DIREITO ADQUIRIDO:

Para compreender melhor o conceito de direito adquirido, necessário se faz a análise do conceito do direito subjetivo, que é a possibilidade de ser exercido, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio. Em outras palavras, é um direito garantido por normas jurídicas e exercitável segundo a vontade do titular. Se o direito subjetivo não for exercido, sobrevindo uma lei nova, tal direito transmudase em direito adquirido, porque era um direito exercitável e exigível à vontade do seu titular e que já tinha incorporado ao seu patrimônio, para ser exercido quando conviesse (O fato do titular não ter exercido o direito que lhe pertence quando da entrada de uma lei nova, não configura motivo para que esta venha prejudicar o que de direito já é seu. Quem tem o direito não é obrigado a exercitá-lo, só o faz quando quiser. A aquisição do direito não pressupõe seu exercício. A possibilidade do exercício do direito subjetivo foi adquirida na superveniência da lei velha, tornando-se direito adquirido quando a lei nova vier alterar as bases normativas sob as quais foi constituído).

Todavia, se o direito não configurava direito subjetivo antes da lei nova, mas sim mera expectativa de direito, não se transforma em direito adquirido sob o regime da lei nova, pois esta não se aplica a situação objetiva constituída sob a vigência da lei anterior.

III) A EXPECTATIVA DE DIREITO E O DIREITO ADQUIRIDO:

Necessário também a conceituação do que seja expectativa de direito, para caracterizar de uma maneira mais clara o que é direito adquirido.

Pois bem, a expectativa de direito configura-se por uma seqüência de elementos constitutivos, cuja aquisição faz-se gradativamente, portanto, não se trata de um fato jurídico que provoca instantaneamente a aquisição de um direito. O direito está em formação e constitui-se quando o último elemento advém. Há, por conseguinte, expectativa de direito quando ainda não se perfizerem os requisitos adequados ao seu advento sendo possível sua futura aquisição.

Se houve fatos adequados para sua aquisição, que contudo ainda depende de outros que não ocorreram, caracteriza-se uma situação jurídica preliminar, logo, o interessado tem expectativa em alcançar o direito em formação, expectativa de direito que poderá ser

frustrada ou não. Por exemplo, no caso do direito ao benefício de aposentadoria, somente quem possuir simultaneamente todos os requisitos necessários, terá direito a aposentar-se.

Faltando um destes requisitos, o titular gozará apenas de mera expectativa de direito. Sobre a definição de expectativa de direito aqui aventada, leciona o afamado mestre Orlando Gomes:

“A legítima expectativa não constitui direito. A conservação, que é automática, somente se dá quando se completam os elementos necessários ao nascimento da situação jurídica definitiva.” (In “ ”. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2000. Págs. 549/550).

Dessa maneira, quem tem expectativa de direito não é titular do direito em formação, diferentemente do sujeito que já possui o direito adquirido Este último instituto traz a segurança jurídica e a tranqüilidade nas relações humanas formadas no Direito. Sem ele, desapareceria o respeito pela ordem já constituída.

Para ilustrar o entendimento, convém transcrever a lição de Maria Helena Diniz, que assim cita outros autores caracterizando o direito adquirido em face de lei nova:

“Nesse mesmo sentido, Agostinho Alvim define direito adquirido como “conseqüência de um ato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que esse fato foi realizado, embora ocasião de o fazer valer não se tivesse apresentado antes da existência de uma lei nova sobre o mesmo, e que, nos termos da lei sob o império da qual se deu o fato de que se originou, tenha entrado imediatamente para o patrimônio de quem o adquiriu”. Manuel A. Domingues de Andrade esclarece-nos que o patrimônio vem a ser o conjunto das relações jurídicas (direitos e obrigações), efetivamente constituídas, como valor econômico, da atividade de uma pessoa física ou jurídica de direito privado ou de direito público. Portanto, o que não pode ser atingido pelo império da lei nova é apenas o direito adquirido e jamais o direito “in fieri” ou em potência, a “spes juris” ou simples expectativa de direito, visto que “não se pode admitir direito adquirido a adquirir direito. Realmente, expectativa de direito é mera possibilidade ou esperança de adquirir um direito por estar na dependência de um requisito legal ou de um fato aquisitivo específico. O direito adquirido já se integrou ao patrimônio, enquanto a expectativa de direito dependerá de acontecimento futuro para poder constituir um direito.

A lei nova não poderá retroagir no que atina ao direito em si, mas poderá ser aplicada no que for concernente ao uso ou exercício desse direito, mesmo às situações já existentes antes de sua publicação.”

IV) O DIREITO ADQUIRIDO NA PREVIDÊNCIA SOCIAL:

Merece destaque a lição de CRETELLA JÚNIOR, in Enciclopédia Saraiva, verbete, p. 134:

“Quando, durante a vigência de determinada lei, alguém adquire um direito, este se incorpora ao patrimônio do titular mesmo que este não o exercite, de tal modo que o advento de lei nova não atinge o status conquistado, embora não exercido ou utilizado, como, p. ex., o agente público que, após trinta anos de serviço, adquire direito à aposentadoria, conforme a lei então vigente, e não atingido pela lei nova que fixe em trinta e cinco anos o requisito para a aposentadoria. O não - exercício do direito, nesse caso, não implica a perda do direito, adquirido na vigência da lei anterior. Ao completar, na vigência da lei antiga, trinta anos de serviço público, o titular adquiriu o direito subjetivo público de requerer a aposentadoria, em qualquer época, independentemente de alteração introduzida pela lei nova, que não mais o atinge. Qualquer ameaça ou medida concreta de cercear tal direito encontraria a barreira constitucional do direito adquirido. O direito adquirido, em virtude da relação de função pública, denomina-se direito subjetivo público e é oponível ao Estado pro labore facto. Incorporado ao patrimônio do funcionário, pode ser exigido a qualquer época, a não ser que o texto expresso de lei lhe fixe o período de exercício. Do contrário, adquirido sob o império de uma lei, em razão do vinculum iuris, que liga ao Estado, é intocável, não obstante alteração introduzida por lei, posterior, podendo ser oponível ao Estado que, se o negar, fere direito subjetivo público, líquido e certo de seu titular, como, p. ex., pelo decurso do tempo, fixado em lei, o funcionário adquire direito (à aposentadoria, às férias, à licença-prêmio, ao estipêndio, aos adicionais) pro labore facto, ingressando-se em statur intocável, imume a qualquer fato ou lei que tente vulnera-lo, o que implicaria ofensa ao direito adquirido, com implicações patrimoniais e/ou morais.”

V) POSICIONAMENTOS DO STF QUANTO AO DIREITO ADQUIRIDO:

O STF há muito tem se manifestado acerca desse tema. Uma de suas primeiras decisões encontra-se na Súmula 359, que traz como elemento fundamental para a solidificação do direito a manifestação expressa da vontade do servidor, consubstanciada no requerimento de aposentadoria. Dispõe a Súmula 359,em sua redação primitiva, com base em jurisprudência formada por acórdão de 1963, in verbis:

“Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária.”

Contudo, a citada Súmula sofreu reformulação, sendo que hoje o requisito da manifestação da vontade ou o requerimento tornou-se irrelevante.

No Recurso de Mandado de Segurança 11.395, DJ 18/03/1965, Relator o Ministro LUIZ GALLOTTI, assim se decidiu:

“Se, na vigência da lei anterior, o funcionário havia preenchido todos os requisitos para a aposentadoria, não perde os direitos adquiridos pelo fato de não haver solicitado a concessão.”

Continua o Colendo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE nº 82881, DJ 05/05/1976, Rel.: Min. ELOY DA ROCHA, na Ementa, firmando o seguinte entendimento:

“I.- Servidor público estadual.- caracterização de tempo de serviço público; direito adquirido.- estabelecido, na lei, que determinado serviço se considera como tempo de serviço público, para os efeitos nela previstos, do fato inteiramente realizado nasce o direito, que se incorpora imediatamente no patrimônio do servidor, a essa qualificação jurídica do tempo de serviço consubstanciado direito adquirido, que a lei posterior não pode desrespeitar.”

No Recurso Extraordinário 262.082-RS, DJ 10/04/2001, Relator o Ministro

SEPÚLVEDA PERTENCE cita o voto-condutor do Ministro LUIZ GALLOTTI no leading case da revisão da Súmula 359, que diz in verbis:

“No citado RMS 9.813, o Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator) entendera que, se o impetrante requeresse a aposentadoria na vigência da lei anterior, teria direito adquirido; mas, quando requereu, essa lei já não vigorava e, assim, tinha apenas expectativa de direito.

Aí, é que, data venia, divirjo. Um direito adquirido já adquirido não se pode transmudar em expectativa de direito, só porque o titular preferiu continuar trabalhando e não requerer a aposentadoria antes de revogada a lei cuja vigência ocorrera a aquisição do direito. Expectativa de direito é algo que antecede à sua aquisição; não pode ser posterior a esta.

Uma coisa é a aquisição do direito; outra, diversa, é o seu uso ou exercício. Não devem as duas ser confundidas. E convém ao interesse público que não o sejam, porque, assim, quando pioradas pela lei as condições de aposentadoria se permitirá que aqueles eventualmente atingidos por ela, mas já então com os requisitos para se aposentarem de acordo com a lei anterior, em vez de o fazerem imediatamente, em massa, como costuma ocorrer, com grave ônus para os cofres públicos, continuem trabalhando, sem que o tesouro tenha que pagar, em cada caso, a dois; ao novo servidor em atividade e ao inativo.”

No Recurso Extraordinário nº 258.570-RS, julgado em 05/03/2002, o Ministro MOREIRA ALVES acorda:

“EMENTA: Aposentadoria previdenciária. Direito adquirido- Súmula 359.

- Esta Primeira Turma (assim, nos RREE 243.415, 266.927, 231.167 e 258.298) firmou o entendimento que assim é resumido na ementa do acórdão do primeiro desses recursos:

“Aposentadoria: proventos: direito adquirido aos proventos conforme à lei regente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, ainda quando só requerida após a lei menos favorável (súmula 359, revista): aplicabilidade a fortiori à aposentadoria previdenciária.”

Da mesma maneira entende o Ministro CARLOS VELLOSO, no AGRG. RE nº 270.476-RS, DJ 11/06/2002.

EMENTA:-CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PROVENTOS: DIREITO ADQUIRIDO.

I.- Proventos de aposentadoria: direito aos proventos na forma da lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos de inatividade, mesmo se requerida após a lei menos favorável. Súmula 359-STF: desnecessidade do requerimento.

Aplicabilidade da aposentadoria previdenciária. Precedentes do STF.

II.- Agravo não provido.”

No mesmo Agravo, o Ministro CARLOS VELLOSO ratificou sua decisão nos seguintes termos:

Esse Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 266.927, Rel.: Min. ILMAR GALVÃO (DJ 10/11/00), firmou o entendimento de que:

“PREVIDENCIÁRIO. PROVENTOS DA APOSENTADORIA CALCULADOS COM BASE NA LEGISLAÇÃO VIGENTE AO TEMPO DA REUNIÃO DOS REQUISITOS QUE, TODAVIA FORAM CUMPRIDOS SOB O REGIME DA LEI ANTERIOR, EM QUE O BENEFÍCIO TINHA POR BASE VINTE SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO EM VEZ DE DEZ. ALEGA OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO.

Hipótese a que também se revela aplicável- e até com maior razão, em face de decorrer o direito de contribuições pagas ao longo de toda a vida laboral- a Súmula 359 segunda a qual os proventos da inatividade se regulam pela lei vigente ao tempo em que reunidos os requisitos necessários à obtenção do benefício, não servindo de óbice à pretensão do segurado, obviamente, a circunstância de haver permanecido em atividade por mais alguns anos, nem o fato de a nova lei haver alterado o lapso de tempo de apuração dos salários de contribuição, se nada impede compreenda ele os vinte salários previstos na lei anterior.

Recurso conhecido e provido.”

O tema direito adquirido foi esmiuçado de uma forma clara objetivando um entendimento pacífico e denso. Só como uma maneira de complementar o conceito dessa matéria, podemos transcrever o pensamento do MM. Juízo a quo da 1ª Vara Previdenciária de Porto Alegre/RS, Dr. José Paulo Baltazar Junior, lembrado no relatório do RE acima:

“ A isto se chama direito adquirido, uma situação de imutabilidade que garante o titular contra posterior modificação legislativa. Para que se dê a situação por nós conhecida como direito adquirido é necessário que o direito não tenha sido exercido. Se o direito foi gozado por seu titular, há uma relação jurídica consumada, que não gera questionamento.

Agora, para a incidência da norma é necessário que o fato que dá suporte à incidência da norma tenha se completado, esteja presente em todos os seus elementos.

Em matéria previdenciária, o fenômeno ocorre quando o segurado atende a todos os requisitos necessários para a obtenção de um determinado benefício, sejam elas carência, tempo de serviço, idade mínima, etc.(..)”